segunda-feira, 31 de março de 2014

Arcosanti


Vista geral do Arcosanti em 2006. Mário Carvão, cc (by)

Em 1970, o arquiteto italiano Paolo Soleri iniciou as obras do Arcosanti, sua cidade experimental no deserto do Arizona, EUA. A cidade em que colocaria em prática suas teorias urbanísticas já recebeu sete mil de voluntários de todo o mundo e mantém o espírito utópico da experimentação urbanística.

O conceito que norteia a construção do Arcosanti é a Arcologia (em inglês, Arcology), junção das palavras "Arquitetura" e "Ecologia". O conceito, um dos pioneiros da atual arquitetura e urbanismo sustentáveis [1], propõe uma melhor integração entre o ambiente natural e o ambiente construído.

A Broadacre City de Frank Lloyd Wright, para quem Soleri trabalhou no inicio da carreira, antecipou alguns dos conceitos como a autonomia produtiva de cada unidade urbana e a preocupação com o impacto ambiental das cidades. Porém, a baixa densidade e a dependência do automóvel para o deslocamento dos habitantes das Broadacre Cities era um problema que a Arcologia tentou solucionar propondo a tridimensionalidade e miniaturização das cidades em megaestruturas altamente adensadas.

O projeto do Arcosanti desde sua primeira elaboração em 1969 [1] vem sendo continuamente modificado e atualizado. O Projeto atual de 2001 é chamado Arcosanti 5000 que ambiciona a residência de 5.000 habitantes, como novas estruturas para habitação, conferências e estufas de cultivo [2]. Um elemento marcante em Arcosanti são as absides, construções de um quarto de esfera, ou semi-cúpulas, orientadas para o sul de forma que durante o inverno a luz solar ilumine e aqueça o interior e no verão proteja as janelas e espaços interiores da luz direta.

Por estar nas condições climáticas extremas do Deserto do Arizona, local de temperaturas diurnas altas no verão, acima dos 40ºC, e de frio durante a noite e no inverno quando chega a nevar, o projeto demonstra que se mesmo nas condições adversas de clima com amplitude térmica tão grande é possível pensar em cidades com baixo impacto ambiental.


Vista geral do projeto Arcosanti 5000. Arcosanti Foundation (c)

No início da década de 1970 quando o espírito hippie estava no auge na costa leste americana e Arcosanti sediava grandes festivais de música, centenas de voluntários acampados em barracas ou em cubos de concreto ajudaram a erguer boa parte dos prédios hoje existentes. Durante um festival em 1978 um incêndio destruiu 180 carros e as dívidas com o seguro dos carros quase levou a cidade à falência e diminuiu bastante o ritmo da construção. Era como se os carros estivessem se vingando da cidade que quis aboli-los.

Hoje vivem cerca de 100 moradores em Arcosanti que se mantém da seguinte forma:

Energia elétrica: existem painéis fotovoltaicos e coletores solares instalados mas a grande parte da eletricidade vem da rede elétrica convencional.

Água: ainda vem externamente da rede de água e o esgoto é coletado e destinado à lagoa de evaporação.

Alimentação: embora haja plantações e sejam produzidos alho, ovo, e outros vegetais de forma orgânica, a maior parte dos alimentos é comprada de fornecedores.

Recursos financeiros: a construção e manutenção da cidade é financiada pela venda de sinos de bronze, taxa de inscrição dos workshops, venda de souvenir, festas, jantares, festivais e doações.

A cada cinco semanas, exceto durante o inverno, são abertos novos workshops de dois tipos: um que dura uma semana e ou segundo de cinco semanas. A primeira semana é principalmente teórica tendo no último dia uma parte prática. Para os participantes do workshop mais longo, as últimas quatro semanas são práticas no departamento que o participante escolher ou tiver vaga ou prioridade no momento, entre eles: Construção, Projeto, Agricultura, Manutenção, Paisagismo, Arquivo, Programação Visual.


Referências

[1] Soleri, Paolo. Arcology: The City in the Image of Man 1969: Cambridge, Massachusetts, MIT Press
[2] Critical Master Plan
[3] Arcosanti '78: Music Under Fire

segunda-feira, 24 de março de 2014

Imagens de Cidades

Por Mário Carvão*

Barcelona, Aldas Kirvaitis, (cc by-nc-nd 2.0)

Barcelona, Cidade-módulo
Por quilômetros e quilômetros, Barcelona se estende pela planície com módulos de quadrados chanfrados de mesma altura e pátios internos. O traçado ortogonal é vez por outra cortado por avenidas diagonais. Tudo, desde parques, a praça de touros e catedrais devem obedecer à modulação.


Burning Man, Kyle Harmon, (cc by 2.0)

Burning Man, Cidade-festa
Todos anos, por uma semana no Deserto de Black Rock em Nevada, Estados Unidos, a cidade de Burning Man existe. Nas outras 51 semanas a cidade é só areia e pedra no deserto. Quando ela existe são 50 mil habitantes numa festa que culmina com a queima de um homem de madeira. Quando a festa termina nenhum vestígio é deixado.


Cidade do México, Pablo Lopez Luz, (c) 

Cidade do México, Cidade-cobertor
Como um cobertor a cidade cobre os morros. Não há variação na textura de casas brancas de laje plana, ruas e árvores. A cidade parece um mar urbano onde os morros são ondas até onde se pode ver.


Malé, Mohamed Abdulla Shafeeg, (500px)

Malé, Cidade-ilha
Malé, capital das Maldivas, está confinada em uma ilha. Não há cidades por perto, só o oceano. Só a cidade colorida e o mar azul. Está isolada de tudo e tem que sobreviver com o que tem. A água para se tornar potável é dessalinizada e a energia elétrica é produzida queimando diesel. A cidade ocupa todo o espaço disponível, não há para onde ir e não há montanhas para a proteger quando os tsunamis chegam.


Moscou, Kirill Umrikhin, (c)

Moscou, Cidade-gelo
Se ainda estivéssemos na Guerra Fria, não teria imagem melhor para difamar Moscou como uma cidade fria e do mal. Fábricas, um rio congelado e no centro torres-masmorra controlando todo o resto. Não há cor. Só prédios pretos, a fumaça e o gelo brancos. Nada feliz pode ser produzido nessas fábricas.


* Não estive em nenhuma dessas cidades. Tudo o que está descrito é o que vejo e percebo nas fotos. Os títulos das cidades são inspirados no livro de Ítalo Calvino, As Cidades Invisíveis.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Detroit e o fim da Era Industrial

Centro de Detroit visto da Sibley Street. Camilo José Vergara (C) 

No dia 18 de julho de 2013 a prefeitura da cidade americana de Detroit declarou falência e foi a primeira grande cidade dos EUA a anunciar que precisaria de ajuda federal para pagar suas dívidas de 18,5 bilhões de dólares [1]. Cem anos antes, em 1913, nos arredores da mesma cidade, era implantada pela primeira vez no mundo a revolucionária linha de montagem na fábrica da Ford Motor Company [2], e nas décadas seguintes Detroit se tornaria a capital mundial da indústria automobilística, centro cultural que influenciaria a música pop e cidade símbolo da Era Industrial.

Origem e Zênite
A origem de Detroit está na sua localização estratégica na divisa dos EUA com o Canadá e entre a região dos Grandes Lagos e o rio São Lourenço que a liga ao Oceano Atlântico. Até o início do século XX Detroit era uma cidade compacta e com economia diversificada sendo um polo regional de comércio e da indústria naval.

Em 1896 Henry Ford aproveitando da já existente indústria de carruagens e ferramentas da cidade constrói o primeiro carro e inaugura a indústria automobilística americana. No auge de Detroit, na década de 1950, quando sua população atingiu o recorde de mais de um milhão e oitocentos mil habitantes [3] a cidade era sede das três maiores montadoras americanas: Ford, General Motors e Chrysler. E com o dinheiro que a produção de carros trazia a vida cultural era intensa. Segundo Domenico de Masi em seu livro "Criatividade e Grupos Criativos":

 "Na zona do Grand Circus Park pelo menos 50 edifícios eram dedicados a espetáculos, com cinemas e teatros que podiam acolher, simultaneamente, mais de 30.000 pessoas."
 No final daquela década e durante toda a década seguinte Detroit foi sede da Motown, gravadora de música que criou o gênero de mesmo nome e que ajudou a difundir a música negra. Foi na Motown que Diana Ross & The Supremes, The Four Tops, The Jackson 5, Stevie Wonder, Marvin Gaye, The Marvelettes, e The Miracles gravaram seus primeiros discos.

Causas da Decadência


Declínio da produção automobilística
Nos anos 50 os EUA correspondiam com 80% da produção mundial de carros sendo Detroit responsável por grande parte dessa produção. A concorrência com outros países, a crise do petróleo de 1973, e a elevação dos salários promovida por sindicatos cada vez mais fortes, contribuiu para que as montadoras instalassem suas filiais em países em desenvolvimento. Com o passar do tempo a produção de outros países como Japão e Alemanha começou a crescer e em 1980 os EUA perderam seu posto de maior fabricante de carros do mundo para o Japão que produzia carros menores, mais baratos e eficientes.

A indústria automotiva em Detroit sufocou as outras indústrias e atividades e para dar vazão à produção automotiva o transporte público foi sucateado. Com o declínio da produção automobilística, a dependência total do automóvel tanto da sua produção quanto de seu uso fez de Detroit uma cidade obsoleta.

Segregação
A tensão racial, que já existia desde as primeiras décadas do século XX quando um grande número de negros vindo dos estados do sul chegaram para trabalhar nas montadoras da cidade, foi marcada pelo motim de 23 de julho de 1967. Nesta noite 43 pessoas foram mortas (sendo 34 negros), 1.189 feridas, 7.200 presas e mais de 2.000 construções destruídas. Depois deste motim a cidade que já era segregada socialmente com brancos e negros se negando a trabalhar lado a lado nas montadoras ficou geograficamente segregada com o centro predominantemente habitado por moradores negros e os subúrbios por brancos. Em uma cidade em que segundo Reverendo Charles Williams II, "As pessoas do centro foram ensinadas a não confiarem nos do subúrbio e as pessoas do subúrbio em não confiarem nas pessoas do centro" [4], fica muito mais difícil sair de qualquer crise.

Consequências da Decadência


Desemprego
Com a saída de fábricas da cidade e a automação da produção, o desemprego em Detroit é um dos mais altos nos EUA com 19% contra uma média nacional de 7%. [5]

Abandono
Dos mais de um milhão e oitocentos mil habitantes nos anos 50, atualmente Detroit tem apenas 700 mil habitantes ou seja, menos de 40%, sendo hoje praticamente uma cidade fantasma com mais de 78.000 construções abandonadas. Mesmo na outrora gloriosa região do Grand Circus Park há terrenos baldios por todos os lados. Vários quarteirões estão totalmente abandonados ou com apenas uma casa ocupada. Muitos dos antigos hotéis, teatros e fábricas que simbolizavam a glória da cidade hoje estão em ruínas e foram demolidos ou viraram terrenos baldios ou estacionamento. [4]


Michigan Theatre. No auge em 1927 e à direita: estacionamento. Gsgeorge

Baixa densidade e alto custo de funcionamento
Detroit tem uma área de 357 km² onde caberiam as cidades de Boston, São Francisco e a ilha de Manhattan. Para uma população de 681.090 habitantes a densidade é de 1.900 pessoas por km², que é muito baixa mesmo se comparada com outras cidades americanas: Nova York, São Francisco e Boston têm densidades de 10.406, 6.658 e 5.143 habitantes por km² respectivamente [5]. Com uma densidade tão baixa os custos para se manter uma cidade assim são muito altos. As redes de água e esgoto, eletricidade e transporte público tem que abranger uma grande área para servir poucos habitantes.

Violência
Detroit é hoje a cidade com mais de 200 mil habitantes mais violenta dos EUA. Com a taxa de 48,2 homicídios por 100 mil habitantes é também a 21ª do mundo [6] sendo mais violenta que cidades historicamente conhecidas pelos assassinatos como Medelim, na Colômbia e Rio de Janeiro. [7]

Renascimento?

Apesar de todos os problemas que Detroit vêm enfrentando, é possível encontrar soluções. Mas para isso, cidade precisa se reinventar.

Recompactar a cidade, demolição e reciclagem
A cidade que é espraiada e abandonada precisa se recompactar e se tornar mais eficiente. Por mais que seja triste ver cenas de casas abandonadas sendo demolidas é bastante improvável que elas voltem a ser ocupadas. Quarteirões inteiros estão sendo demolidos e o que fazer com todo esse entulho saído das demolições? Parte da estrutura metálica já está sendo exportada para China como sucata mas pode ser feito muito mais. Detroit que era conhecida com a capital mundial dos carros, hoje poderia ser conhecida como a capital mundial da reciclagem de entulho se investir em usinas de reciclagem.

Investir em atividades pós-industriais
Assim como Detroit, Boston na segunda metade do século XX entrou em decadência por depender da indústria como principal atividade econômica. Com o declínio evidente da Era Industrial, Boston soube se reinventar ao demolir o complexo de viadutos no chamado projeto Big Dig e se reformar urbanisticamente; e ao investir no ensino universitário e serviços médicos, que a tornaram referências mundiais nessas áreas.


Referências
[1] Billions in Debt, Detroit Tumbles Into Insolvency
[2] The Moving Assembly Line Debuted at the Highland Park Plant
[3] Population of the 100 Largest Urban Places in 1950, U.S. Bureau of the Census
[4] Detroit's abandoned buildings draw tourists instead of developers 
[5] List of United States cities by population density
[6] The 50 Most Violent Cities In The World
[7] Rio de Janeiro: capital com a 5ª menor taxa de homicídios

segunda-feira, 10 de março de 2014

As dificuldades de se adensar uma cidade

O espraiamento de Phoenix, Arizona, EUA. Dominic, Domínio Público

Muito se falou em mobilidade nos últimos meses [1], e é evidente por todos a situação de pane em que estão entrando diversas cidades brasileiras. Discute-se muito sobre como fazer a circulação das cidades voltar a fluir, mas as causas desses problemas não são todas tão óbvias como a contribuição do excesso de automóveis. As outras causas dos problemas de mobilidade urbana são bem mais sutis e envolvem uma rede questões urbanas como por exemplo: o espraiamento, a especulação imobiliária, a segregação e a desigualdade social.

Começando com a causa mais óbvia: o uso e a quantidade excessivos de carros. Para o carro foram construídas cidades de baixa densidade e espalhadas em uma grande área, de longas distâncias entre um ponto e outro, porque o carro precisa ser usado, mais carros precisam ser comprados e o carro ocupa espaço. As propagandas que estimulam a aquisição e o uso do carro são muito mais eficientes do que a conscientização de que este é um objeto causador do caos nas cidades e que o uso frequente deles deve ser reduzido.

Uma causa dos problemas de mobilidade relacionada ao usos dos carros é o espraiamento [2]. Para solucionar o espraiamento urbano, existe o adensamento urbano que consiste em reunir os equipamentos e os componentes da cidade em um espaço menor, seja verticalizando, ou seja simplesmente aproximando um local do outro extinguindo os vazios urbanos. Uma cidade adensada ou seja, compacta, otimiza o uso de equipamentos urbanos dispensando grandes gastos ao levar a infraestrutura até locais afastados passando por áreas vazias, diminui os percursos facilitando a circulação de quem está a pé e de bicicleta.

Então se o adensamento é uma solução para o problema de mobilidade nas cidades porque é tão difícil ver sua aplicação?

De acordo com o urbanista brasileiro Flávio Villaça [3] "através da segregação a classe dominante controla a produção e consumo do espaço urbano, sujeitando-o aos seus interesses." A grosso modo, os que têm poder econômico, querem os pobres cada vez mais longe, e conseguem. Tem se estipulado nas cidades o lugar dos ricos, da classe média e o lugar dos pobres, porque as cidades brasileiras consideram e aceitam a desigualdade na configuração dos espaços, logo, a estimula. Desta forma é do interesse das classes dominantes a segregação.

Outra dificuldade para o adensamento urbano é, segundo a urbanista Raquel Rolnik [4], a especulação imobiliária. Como ocorreu em
"Curitiba, que de fato promoveu um adensamento maior ao longo dos seus corredores de transporte público. Na prática, porém, o aumento de potencial construtivo em Curitiba gerou uma maior valorização do solo, mais metros quadrados de área construída, e apartamentos gigantes, cheios de vagas de automóveis, que atraíram pessoas que, no geral, não usam o transporte coletivo. Enquanto isso, a periferia da cidade continuou explodindo, e a população de baixa renda continuou enfrentando longos deslocamentos no transporte público."
Daí se vê como é difícil desvincular a desigualdade do desenho da cidade e trazer os mais pobres para o núcleo urbano e como há uma relação direta entre desigualdade e cidades espraiadas.

Projetos de adensamento devem ser extremamente cuidadosos levando em consideração a drenagem do solo, a boa iluminação de espaços abertos, a qualidade do transporte público, mas principalmente deve-se ter a consciência de que com carros as propostas acima perdem seu efeito. Se aumentamos a densidade dos centros urbanos ou o volume de escritórios por região incluindo o carro nesse plano, as cidades simplesmente parariam. Se concretizamos esse plano excluindo o carro da jogada, não precisaríamos dele.

A pergunta que fica: até quando faremos cidades espraiadas? Por conta delas hoje discutimos tanto sobre mobilidade, e de fato é o que está mais próximo do nosso alcance. Até quando desigualdade em forma de desenho urbano? É preciso, desvincular o planejamento urbano dessas que são hoje bases orientadoras para configuração dos espaços, e que tanto mal já fizeram às cidades.


Notas e Referências

[1] Interesse com o passar do tempo sobre "Mobilidade Urbana" no Google Trends.
[2] Espraiamento Urbano, ou Alastramento Urbano, é o aumento excessivo da área ocupada da cidade geralmente com zonas descoladas da malha principal.
[3] Efeitos do Espaço sobre o Social na Metrópole Brasileira.
[4] Plano Diretor de São Paulo: adensamento para quê? para quem?