segunda-feira, 17 de junho de 2013

Discussão sobre a Tarifa Zero

Por Mário Carvão
Protesto em Brasília defendendo a Tarifa Zero.  www.midiaindependente.org

Nestes últimos dias com a intensa discussão sobre o transporte coletivo no Brasil, uma proposta que tem sido bastante divulgada é a da Tarifa Zero ou seja, a gratuidade do transporte coletivo urbano. No artigo anterior "Os Protestos e a Questão Urbana" sobre as manifestações contra o aumento das passagens do ônibus e metrô que estão ocorrendo em várias cidades do Brasil, a proposta da gratuidade foi brevemente abordada. No artigo de hoje desenvolveremos mais detalhadamente o assunto, enumerando algumas possíveis vantagens, desvantagens e propostas para o problema da mobilidade no Brasil.

Imagine uma cidade onde o transporte coletivo seja gratuito. Não existe mais gasto com deslocamento; pode-se ir a qualquer lugar dentro da cidade sem pagar nada; uma cidade mais democrática e sem os problemas causados pelos carros.  Algumas cidades em países ricos já são assim, inclusive algumas no Brasil (1). Mas como será que esse sistema funcionaria nas cidades brasileiras? Quem financiaria o transporte urbano gratuito? A gratuidade de todas as passagens não acarretaria em um descontrole e fonte de corrupção? Parte do real gasto em se morar longe e do alastramento urbano não deixaria de ser contabilizado? Vamos comentar estas questões ao longo do artigo.

A primeira questão: quem financiará o transporte urbano gratuito? Resposta: o governo com os impostos. Em países onde a carga tributária de cada contribuinte é proporcional à sua renda e patrimônio, a maior parte das taxas são cobradas diretamente. Nesses países, os impostos além de custearem a administração pública, são uma forma de distribuição de renda. Assim, ao propor que quem tem mais dinheiro custeie os gastos de quem depende do transporte coletivo é uma forma de tornar as cidades mais democráticas. Mas no Brasil a arrecadação de impostos é diferente. Aqui, 60% do total dos impostos arrecadados são indiretos (2) ou seja, são repassados pelas empresas que os incluem no preço final do serviço ou produto, taxando o consumo. Desta forma, os mais pobres, que gastam a maior parte da sua renda com o consumo, são quem proporcionalmente mais pagam impostos. No final das contas, quem continuará pagando pelo transporte coletivo continuará sendo quem depende dele, ou seja, a gratuidade não tornará as cidades brasileiras lugares mais democráticos.

Segunda questão: a gratuidade de todas passagens não acarretaria em descontrole e fonte de corrupção? Imagine uma cidade onde o irmão do prefeito (ou qualquer outro "laranja" vinculado ao prefeito) cria uma empresa de ônibus, vence uma licitação, e passa a ter o monopólio do transporte urbano nesta cidade. Como será o controle de quantos passageiros foram transportados e quanto a empresa deverá receber por seus serviços? Se todas as despesas das empresas de transporte urbano são cobertos pela prefeitura para que o dono da empresa melhoraria a eficiência e qualidade do serviço? Não seria muito fácil para a empresa do irmão do prefeito adulterar o registro aumentando a quantidade de passageiros que efetivamente usaram o serviço e receber um repasse maior da prefeitura?

A terceira questão: parte do gasto real em se morar longe e do alastramento urbano não deixaria de ser contabilizado? Com as passagens de ônibus e metrô sendo pagas pelo governo, o custo com o transporte, para o cidadão, deixará de ser relevante. Morar perto do centro e em  bairros com infraestrutura ou morar longe, em uma periferia em que se dependa de transporte para qualquer atividade que não seja dormir, não fará diferença no bolso do cidadão e as cidades se poderão se espalhar indefinidamente em bairros cada vez mais afastados. Mas e o tempo gasto com o transporte? E a poluição gerada por trajetos cada vez maiores? A gratuidade do transporte coletivo não poderá se tornar uma desculpa para segregar e levar os pobres cada vez mais para longe?

A solução para os problemas do transporte público (alto preço das passagens, baixa qualidade, poucas linhas e horários) assim como em outros problemas urbanos, não virá simplesmente de uma medida milagrosa do governo. Algumas ideias para o diminuição do preço das passagens requerem mais trabalho, porém podem resolver de fato o problema. O fim do monopólio de uma ou poucas empresas para o transporte urbano resultando em uma maior concorrência poderá contribuir para a queda do preço. Com mais opções de empresas, se uma estiver com passagens mais caras e serviço ruim, a população naturalmente optará por outra. Uma maior fiscalização da sociedade e da administração pública poderá melhorar a qualidade do serviço.

Como dito no artigo anterior, em alguns casos, a gratuidade pode ser bastante benéfica como já é no caso dos idosos e no transporte escolar. A gratuidade pontual como incentivo para as pessoas deixarem os carros na garagem e usarem transporte coletivo como em Curitiba onde a passagem aos domingos é quase a metade do preço dos outros dias (3), pode ter consequências muito boas para a mobilidade.

(1) http://freepublictransports.com/city/

(2) http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=10180&Itemid=75

(3) http://www.esmaelmorais.com.br/2013/03/tarifa-de-onibus-em-curitiba-sera-de-r-285/

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