terça-feira, 31 de outubro de 2017

Não-armados


Texto e fotografia de Vitor Campanario

Imaginem um país onde a maioria dos seus cidadãos com maioridade possuem uma arma letal. Além de permitida, ter uma arma é ter status, quanto mais cara e mais nova mais status você tem. O governo incentiva a produção e o consumo em massa. Os pais presenteiam os filhos e filhas com armas quando completam 18 anos. Esse sonho de consumo atinge a todas as classes sociais, do trabalhador ao grande especulador imobiliário.

Todos saem armados pelas ruas, exibindo seu poder e sua virilidade. O resultado são 165 mortes por dia, o equivalente a um avião Boeing. Além das mortes, o custo aos cofres públicos e o custo social são assustadores, milhões de mutilados e deficientes, ano a ano.

Ao mesmo tempo, há uma parcela da população, como idosos e crianças que andam desarmados e também aqueles que possuem armas, mas em determinados momentos do dia estão sem elas. Essas pessoas, constituem a maior parte das vítimas, o ataque é sempre impiedoso e não há chance de autodefesa.



Agora imaginem que para aqueles que possuem armas são destinados 70% do espaço de deslocamento das ruas e bilhões em investimentos anuais para a manutenção desse espaço. Já o espaço destinado ao ir e vir do grupo não armado, além de ser infinitamente menor, não recebe investimentos e é constituído por grandes obstáculos e perigos. Também não há neste país, um consenso de quem seria responsável pela manutenção desse espaço, que deveria ser de todos, mas não é de ninguém.

O espaço dos não armados é fragmentado, pois o espaço dos possuidores de armas não pode ser interrompido, portanto quando uma criança precisa ir de casa até a escola, deve necessariamente passar pela Zona Armada, e ao entrar, deve atravessar em uma faixa específica. A questão é que, na grande maioria dos milhares de quilômetros de Zona Armada das cidades que compõe este país, não existem faixas e outros elementos que garantam que a população não armada não seja assassinada pela população armada e muitas vezes, por questão de segurança, algumas normas acabam sendo descumpridas. O massacre é diário e mesmo quando ocorrem nas poucas faixas existentes, não há uma comoção social, afinal, um não armado, é só um não armado.

Para completar o quadro, o governo deste país, ao invés de investir em políticas de segurança para a população não armada e fiscalização para frear esse massacre díario, resolve regulamentar uma norma, que irá multar a população que é justamente a maior vitima. Os não armados que não utilizarem as faixas (inexistentes) enquanto atravessarem a Zona Armada, além do alto risco de morte, estão sujeitos a pagar multas.