segunda-feira, 17 de março de 2014

Detroit e o fim da Era Industrial

Centro de Detroit visto da Sibley Street. Camilo José Vergara (C) 

No dia 18 de julho de 2013 a prefeitura da cidade americana de Detroit declarou falência e foi a primeira grande cidade dos EUA a anunciar que precisaria de ajuda federal para pagar suas dívidas de 18,5 bilhões de dólares [1]. Cem anos antes, em 1913, nos arredores da mesma cidade, era implantada pela primeira vez no mundo a revolucionária linha de montagem na fábrica da Ford Motor Company [2], e nas décadas seguintes Detroit se tornaria a capital mundial da indústria automobilística, centro cultural que influenciaria a música pop e cidade símbolo da Era Industrial.

Origem e Zênite
A origem de Detroit está na sua localização estratégica na divisa dos EUA com o Canadá e entre a região dos Grandes Lagos e o rio São Lourenço que a liga ao Oceano Atlântico. Até o início do século XX Detroit era uma cidade compacta e com economia diversificada sendo um polo regional de comércio e da indústria naval.

Em 1896 Henry Ford aproveitando da já existente indústria de carruagens e ferramentas da cidade constrói o primeiro carro e inaugura a indústria automobilística americana. No auge de Detroit, na década de 1950, quando sua população atingiu o recorde de mais de um milhão e oitocentos mil habitantes [3] a cidade era sede das três maiores montadoras americanas: Ford, General Motors e Chrysler. E com o dinheiro que a produção de carros trazia a vida cultural era intensa. Segundo Domenico de Masi em seu livro "Criatividade e Grupos Criativos":

 "Na zona do Grand Circus Park pelo menos 50 edifícios eram dedicados a espetáculos, com cinemas e teatros que podiam acolher, simultaneamente, mais de 30.000 pessoas."
 No final daquela década e durante toda a década seguinte Detroit foi sede da Motown, gravadora de música que criou o gênero de mesmo nome e que ajudou a difundir a música negra. Foi na Motown que Diana Ross & The Supremes, The Four Tops, The Jackson 5, Stevie Wonder, Marvin Gaye, The Marvelettes, e The Miracles gravaram seus primeiros discos.

Causas da Decadência


Declínio da produção automobilística
Nos anos 50 os EUA correspondiam com 80% da produção mundial de carros sendo Detroit responsável por grande parte dessa produção. A concorrência com outros países, a crise do petróleo de 1973, e a elevação dos salários promovida por sindicatos cada vez mais fortes, contribuiu para que as montadoras instalassem suas filiais em países em desenvolvimento. Com o passar do tempo a produção de outros países como Japão e Alemanha começou a crescer e em 1980 os EUA perderam seu posto de maior fabricante de carros do mundo para o Japão que produzia carros menores, mais baratos e eficientes.

A indústria automotiva em Detroit sufocou as outras indústrias e atividades e para dar vazão à produção automotiva o transporte público foi sucateado. Com o declínio da produção automobilística, a dependência total do automóvel tanto da sua produção quanto de seu uso fez de Detroit uma cidade obsoleta.

Segregação
A tensão racial, que já existia desde as primeiras décadas do século XX quando um grande número de negros vindo dos estados do sul chegaram para trabalhar nas montadoras da cidade, foi marcada pelo motim de 23 de julho de 1967. Nesta noite 43 pessoas foram mortas (sendo 34 negros), 1.189 feridas, 7.200 presas e mais de 2.000 construções destruídas. Depois deste motim a cidade que já era segregada socialmente com brancos e negros se negando a trabalhar lado a lado nas montadoras ficou geograficamente segregada com o centro predominantemente habitado por moradores negros e os subúrbios por brancos. Em uma cidade em que segundo Reverendo Charles Williams II, "As pessoas do centro foram ensinadas a não confiarem nos do subúrbio e as pessoas do subúrbio em não confiarem nas pessoas do centro" [4], fica muito mais difícil sair de qualquer crise.

Consequências da Decadência


Desemprego
Com a saída de fábricas da cidade e a automação da produção, o desemprego em Detroit é um dos mais altos nos EUA com 19% contra uma média nacional de 7%. [5]

Abandono
Dos mais de um milhão e oitocentos mil habitantes nos anos 50, atualmente Detroit tem apenas 700 mil habitantes ou seja, menos de 40%, sendo hoje praticamente uma cidade fantasma com mais de 78.000 construções abandonadas. Mesmo na outrora gloriosa região do Grand Circus Park há terrenos baldios por todos os lados. Vários quarteirões estão totalmente abandonados ou com apenas uma casa ocupada. Muitos dos antigos hotéis, teatros e fábricas que simbolizavam a glória da cidade hoje estão em ruínas e foram demolidos ou viraram terrenos baldios ou estacionamento. [4]


Michigan Theatre. No auge em 1927 e à direita: estacionamento. Gsgeorge

Baixa densidade e alto custo de funcionamento
Detroit tem uma área de 357 km² onde caberiam as cidades de Boston, São Francisco e a ilha de Manhattan. Para uma população de 681.090 habitantes a densidade é de 1.900 pessoas por km², que é muito baixa mesmo se comparada com outras cidades americanas: Nova York, São Francisco e Boston têm densidades de 10.406, 6.658 e 5.143 habitantes por km² respectivamente [5]. Com uma densidade tão baixa os custos para se manter uma cidade assim são muito altos. As redes de água e esgoto, eletricidade e transporte público tem que abranger uma grande área para servir poucos habitantes.

Violência
Detroit é hoje a cidade com mais de 200 mil habitantes mais violenta dos EUA. Com a taxa de 48,2 homicídios por 100 mil habitantes é também a 21ª do mundo [6] sendo mais violenta que cidades historicamente conhecidas pelos assassinatos como Medelim, na Colômbia e Rio de Janeiro. [7]

Renascimento?

Apesar de todos os problemas que Detroit vêm enfrentando, é possível encontrar soluções. Mas para isso, cidade precisa se reinventar.

Recompactar a cidade, demolição e reciclagem
A cidade que é espraiada e abandonada precisa se recompactar e se tornar mais eficiente. Por mais que seja triste ver cenas de casas abandonadas sendo demolidas é bastante improvável que elas voltem a ser ocupadas. Quarteirões inteiros estão sendo demolidos e o que fazer com todo esse entulho saído das demolições? Parte da estrutura metálica já está sendo exportada para China como sucata mas pode ser feito muito mais. Detroit que era conhecida com a capital mundial dos carros, hoje poderia ser conhecida como a capital mundial da reciclagem de entulho se investir em usinas de reciclagem.

Investir em atividades pós-industriais
Assim como Detroit, Boston na segunda metade do século XX entrou em decadência por depender da indústria como principal atividade econômica. Com o declínio evidente da Era Industrial, Boston soube se reinventar ao demolir o complexo de viadutos no chamado projeto Big Dig e se reformar urbanisticamente; e ao investir no ensino universitário e serviços médicos, que a tornaram referências mundiais nessas áreas.


Referências
[1] Billions in Debt, Detroit Tumbles Into Insolvency
[2] The Moving Assembly Line Debuted at the Highland Park Plant
[3] Population of the 100 Largest Urban Places in 1950, U.S. Bureau of the Census
[4] Detroit's abandoned buildings draw tourists instead of developers 
[5] List of United States cities by population density
[6] The 50 Most Violent Cities In The World
[7] Rio de Janeiro: capital com a 5ª menor taxa de homicídios

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